Se existe uma especialidade médica repleta de folclores e mitos, trata-se da anestesiologia. Existe um profundo medo difundido na população relativo à anestesia e seus procedimentos. É bastante comum que o paciente não tema a cirurgia em si, mesmo as de grande porte, mas tenha verdadeiro pânico da anestesia.
Quem nunca ouviu: “Um conhecido morreu na anestesia” ou “O paciente não aguentou a anestesia e morreu” e, até mesmo, “Deu tanta anestesia, que ele não aguentou”. Mais comum ainda é “Tenho alergia à anestesia”. Nas consultas pré-anestésicas, ouvimos com frequência “Essa anestesia é perigosa?; inclusive: “Minha espinha dói há vinte anos no lugar onde tomei a raquianestesia”. Enfim, é preciso desmistificar.
A anestesia teve um progresso substancial nos últimos 20 anos. É possível que no passado fosse uma especialidade insegura e, talvez, as ideias equivocadas tenham suas raízes nos primórdios da especialidade, em que, assim como na medicina, e em outros escopos da saúde, as intercorrências clínicas eram mais comuns. Porém, o progresso dos últimos anos nos levou ao patamar das mais seguras áreas da medicina.
Segundo a literatura, a mortalidade perioperatória de causas exclusivamente anestésicas, quando se avaliam óbitos, é próxima de 0,23%; quando não se avaliam óbitos, em procedimentos eletivos, a estatística é insignificante. Há estudos apontando apenas um óbito em 10.000 procedimentos; outros apontam menos. É preciso sedimentar que mortalidade perioperatória e intercorrências clínicas anestésicas estão relacionadas à gravidade do paciente, emergência da situação, doenças prévias e tamanho do procedimento cirúrgico. Anestesia, em si, não se caracteriza como fator de risco.
O anestesiologista, além de fazer a anestesia propriamente dita, está na sala, justamente para garantir a segurança do paciente; ele é o médico do paciente, o clínico do caso, tem a função de diagnosticar e tratar qualquer intercorrência com presteza e eficácia. Além disso, como a equipe cirúrgica está paramentada e, portanto, presa ao campo operatório, o anestesista é único médico com livre circulação e imbuído de asseverar a total segurança do paciente.
O progresso medicamentoso das últimas décadas foi notável. Os fármacos antigos, inseguros e cheios de efeitos colaterais, não são mais utilizados na prática clínica; no lugar, dispomos de seguras e confiáveis medicações, com rápida metabolização, que proporcionam despertar precoce, de perfil adequado para cardíacos, capazes de tratar a dor e com baixa possiblidade de desencadear alergia.
A tecnologia também é nossa aliada. Hoje, muito diferente do passado, possuímos os mais diversos monitores em função do ato anestésico e do paciente. Eles são capazes de monitorizar e trazer ao anestesiologista e ao cirurgião inúmeras informações, que proporcionam plena segurança e otimização do ato anestésico-cirúrgico. Fora isso, podemos citar a evolução do aparelho de anestesia – o famoso carrinho -, que, possivelmente, tenha evoluído na mesma velocidade da indústria automotiva.
Além da tecnologia e melhora do perfil farmacológico, os processos hospitalares e treinamento das equipes multidisciplinares também evoluíram exponencialmente. Como exemplo, citamos a pandemia da COVID-19, em que apenas processos e treinamento das equipes – sozinhos – foram capazes de derrubar a mortalidade, uma vez que nenhuma droga ou vacina tenha surgido.
Por último, salienta-se a atual formação do anestesiologista. No passado, eram apenas cirurgiões práticos; hoje, são médicos, com seis anos de graduação, e ao menos três anos de residência médica, muitas vezes subespecializados pós-residência médica.
Concluo salientando a segurança e o cuidado proporcionados pela anestesiologia e pelo anestesiologista durante o ato anestésico-cirúrgico. Caso esteja planejando ser submetido a um procedimento com anestesia, fique tranquilo; seu médico (anestesista) estará com você do início ao fim.
Desmistifico, então, mais uma lenda: o anestesista não “dá anestesia” e vai embora; ele avalia o paciente antes da cirurgia, realiza a anestesia e acompanha o paciente durante todo o ato operatório e recupera o paciente até sua completa funcionalidade imediata das funções vitais.
Dr. André Mortari Plá Gil